Gilmar Mendes defende rever politização das Forças Armadas
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, avalia que o Brasil precisa debater “com coragem” o papel dos militares no arranjo político. Segundo o magistrado, há projetos de lei em andamento no Congresso Nacional que podem evitar “a militarização da administração e a politização dos quartéis.”
Em discurso sobre a importância da democracia durante uma “roda de conversa” realizada na última quarta-feira (8) no STF, ele defendeu que uma nova legislação estabeleça um prazo de quarentena para quem quiser deixar a carreira em órgão público para se candidatar a cargos eletivos.
“Refirmo aqui não só a militares, mas juízes, promotores, delegados, policiais e tantos outros quadros da administração cuja atuação não pode ser e não deve ser instrumentalizada para fins políticos”, disse Gilmar Mendes, em evento que marcava os dois anos de tentativa de golpe contra a democracia.
Quem atua nessas carreiras pode se beneficiar da publicidade comum as atividades exercidas e gozar da empatia da opinião pública. Uma evidência disso é o crescimento de candidaturas e de políticos eleitos para a Câmara dos Deputados e para o Senado Federal que se apresentam vinculando o nome à patente que têm nas polícias militares ou nas Forças Armadas.
Quando assumem os mandatos no Congresso Nacional, os egressos dessas carreiras tornam-se quadros das bancadas da segurança pública. Na atual legislatura, a bancada conta com 56 deputados e dez senadores, de acordo com o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar. Na conta do Diap, o número é 16,5 vezes a mais do que a bancada da primeira legislatura (1991-1995) após a promulgação da Constituição Federal, apenas quatro parlamentares.
Eleitos ou ocupando cargos públicos, os egressos das forças de segurança defendem agendas como fim das penas alternativas, redução da idade penal e mudança do Estatuto da Criança e do Adolescente, modificação do Estatuto do Desarmamento e aumento da circulação de armas e munição, além da não adoção das câmeras corporais para monitoramento de operações policiais.
Visões idílicas e verde-amarelismo
No caso de militares das Forças Armadas, parte da opinião pública os percebe como “pessoas com uma correção maior ou idôneas, porque algumas delas têm um tipo de tendência a não aliviar. Assim: ‘é sim ou não”, ‘é preto ou branco’, não existe o cinza. Confundem isso, um certo caráter obtuso – ou, de repente, uma intransigência – como se isso fosse disciplina, como se isso fosse austeridade”, avalia o publicitário, roteirista e ator Antonio Tabet que nos esquetes do Porta dos Fundos encarna “tipos durões”, como o policial miliciano “Peçanha”.
Para o jornalista Leandro Demori, que apresenta o programa Dando a Real com Leandro Demori na TV Brasil, os militares se beneficiam de “visões idílicas” do passado e a sentimentos triunfalistas tidos como patrióticos, que chamam de verde-amarelismo, o que mobilizou a população em momentos díspares como o suicídio de Getúlio Vargas (1954), o golpe cívico-militar (1964), as Diretas já (1984) e o impeachment de Dilma Rousseff (2016).
“[Em] todos esses momentos históricos, uma parte da sociedade brasileira, muitas vezes manipulada por líderes políticos e militares, acaba retomando esses símbolos patrióticos. A bandeira, o hino, o 7 de setembro, a proclamação da República, os grandes heróis da pátria”, disse ao programa Caminhos da Reportagem, daTV Brasil.
Na opinião do jornalista, os símbolos ressurgem com a promessa de resgatar um passado inexistente como solução para crises sociais e institucionais.
Impunidade
Em vez do passado idílico do verde-amarelismo, a história do Brasil traz a participação do Exército em diferentes golpes de Estado, como, por exemplo, o golpe de 1964, que instaurou um regime ditatorial por 21 anos. Esse período é marcado pela ruptura constitucional, crimes de Estado e desrespeito a direitos fundamentais e a garantias fundamentais.
A ativista, escritora e jornalista Bianca Santana salienta que os abusos e ilegalidades cometidas por militares entre 1964 e 1985 ficaram impunes.
“É uma tradição do Exército Brasileiro, dos militares no Brasil: eles nunca foram responsabilizados pelos golpes consecutivos contra a população e contra a democracia. Enquanto a gente não responsabilizar os militares pelos crimes que eles cometem, eles vão repetir.”
A jornalista Juliana Dal Piva, autora do livro O Negócio do Jair: a história proibida do clã Bolsonaro (editora Zahar, 2022), concorda que “é um problema antigo nosso não julgar militares.”
Para ela, o país erra, ao “não reformar as instituições que preparam esses militares, [e ao] não discutir todo o legado autoritário da ditadura.”
Christian Dunker, psicanalista e professor titular do Instituto de Psicologia da USP, também avalia que são necessárias reformas e espera que no caso da intentona bolsonarista de 8 de janeiro em Brasília haja medidas contra os responsáveis pela tentativa frustrada de mais um golpe militar.
“A gente precisa de pagamento da dívida simbólica para os envolvidos”, afirma.
Ponta firme
O publicitário Antonio Tabet faz coro contra a possibilidade de anistia a quem conspirou para a insurreição que destruiu parte do prédio do STF, do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto. Ele, no entanto, não generaliza o envolvimento de todo o Exército nos planos golpistas do fim do governo Bolsonaro.
“A gente sabe que o golpe de fato só não aconteceu porque alguns militares foram ponta firme. Tem muita gente muito boa no Exército e o próprio noticiário dá conta hoje de que o golpe não aconteceu porque havia pessoas ali dentro que tinham noção e não se dobraram aos interesses de uma minoria golpista”, acredita Tabet.
O jornalista Felipe Recond